2 de fevereiro de 2012

Depois, só depois, sentia o corpo, como tinha que ser, só um corpo, sabia da alma dentro dele, mas só sentia o corpo, cada metro cúbico lambido de si, cheirava bem, cheirava a gente, parava normal no espelho e nu se via com estranheza, mas depois achava comum, olhava só mais uma vez para ter certeza e sim, tinha certeza, era só corpo, perna, pescoço e um olho de cada lado da cabeça de gente, se sentia gente, mas não foi antes, só depois, e mais depois ainda, tentou se sentir em homenagem, tentou receber aplausos, exposição e champanhe, mas tudo pareceu tolamente rodando em volta de sua pele de corpo, agora vestida, porém não menos igual, completamente comum com cara de gente vestida, a cena rodava repetida com a câmera no teto, e a cabeça cheia de cabelo, fio castanho, era o foco, e era comum antes.
Depois já não era comum, já lhe era estranho, e se esqueceu que só era um corpo, corpo de gente, e confuso pensou ser outra coisa, coisa qualquer, confuso demais pra entender, franziu a testa e olhou profundamente pro nada até se lembrar como era humano, mas tinha amnésia agora, morreu ali mesmo, sem muita homenagem, morreu bobo como gente, morreu comum, morreu como tinha que morrer, mas só percebeu isso bem depois.