28 de setembro de 2009

Tropicalismo

As pencas caem, as bananas rolam tolas, e Carmem pisa em cada uma com vontade!
Miranda olha atônita cada banana pisada e se sente menos brasileira!
Subitamente perde a vontade, e pretende rebobinar o ato, e fazer diferente!

Evidente que Maria não conseguiu! Fez tudo errado.
Quando voltou, do’Carmo já estava pisando em cada banana aos gritos, evidenciando vontade repetida, já era a segunda vez.
Cunha, denovo se arrepende e piora o ânimo, se sente fétida e mal caráter, cheirava a banana! Se sentia péssima brasileira, resolveu comer tudo, o purê já quase preto de banana no chão, comeu a colheradas, e se sentiu bem brasileira!
Depois numa tentativa frustrada de samba, escorrega no resto e quebra alguns ossos, e se sentiu bem mais brasileira, se sentia realizada, seu sentimento supremo só era ofuscado pela dor, a dor de ser brasileira, voltou institucionada e quebrada para o radio, narrar o preço da banana na feira, e gritava fino.

Solitário viajante

Na minha cabeça tem um zumbido
Acho que é uma gaita
Ou um sopro metálico
Um batuque ao fundo
Ninguém fala comigo
Eu sigo viajem e ninguém me percebe
Sou só mais um vigiado da lua
Mais um na terra
Um dos que anda pulando as amarelinhas
Com aquela canção de poesia
Sempre, sempre na cabeça
Eu até daria a lua um presente de ouro
Afinal só ela me vê,
E me sente
É a única que me percebe
Dela eu tenho admirável atenção.
Mas é só poesia de outrora
E esses minutos teimosos ainda são contados
Às vezes são contados também depois do enterro,
Não no meu caso
Ninguém conta
Ninguém contará
Mas a lua me espera.

Palco ou tomate vermelho ou a alma cinza

No meu palco cinza e opaco, onde os bons demonstram uma presença comum, em meu palco eu sinto os atos passando, cada ato e fala num sincronismo comum, às vezes cheios de lágrimas, às vezes sincero como um tomate vermelho, e tão vermelho quanto um tomate pode ser, nesse palco, eu sinto cada cor cada cheiro, mas só sinto, porque eles não existem, são fictícios, nesse palco o rosto das pessoas é mais pálido, até do negro, é mais pálido, mais sem vida, mais opaco, e cinza, nesse palco de mim eu sinto dores repentinas, que me faz abrir a boca com ar de surpresa, que me faz derramar sete lágrimas gordas pelo canto do olho, e brilha, e como brilha o olho do ator em mim, o ator no meu palco, no palco de mim, nesse meu palco de madeira velha, eu sinto ranger os pés da sorte, e sinto perfeitamente, de olhos fechados, o rosto simples do ator, rosto comum de gente, rosto seco e cheio de pele, e é a representação perfeita da condição humana, pele sobre pele, a nossa condição é ser cheio de pele, sincero como um tomate vermelho.
Depois de tantos atos simples, cinzas, e sinceros, meu palco presencia a construção da memória, ou a criação do sistema de lembramento, daquele momento do futuro que paramos completamente o presente, para dizer sobre o passado, no meu palco eu percebo perfeitamente esse momento, que sito completamente cinza e tão cheio de cor, nesse meu teatro, percebo a construção desorganizada da vida, e é perfeita, a construção colorida da vida cheia de tomates cinzas.
Queria lembrar que no palco o movimento é brando, queria ressaltar, que no palco, os pulos não existem, os passos significam melhor, e os braços se mechem pouco, só de estar ali, a cena já é, e não espera para ser, ela começa quando começa, e nunca termina.

Onde está seu limite?

Onde esta seu limite, vc já assaltou aquela moça indefesa na esquina mais cedo, onde esta seu limite, vc já roubou o suficiente
Onde esta seu limite, vc já não teve o que precisava quando assassinou aquela criança, eu sei que não era sua intenção, mas vc assumiu o risco, vc tentou roubá-la e roubou mais que dinheiro, vc tomou-lhe a vida, onde esta seu limite, vc pode me dizer?
Vc saberia me dizer? Onde é seu limite, o céu certamente não o é... vc não tem limite
Vc esta preso em um limitado mundo sem limites, vc se perdeu no crime. Vc não tem limite.

São seus olhos

Meus olhos, a, meus olhos são só meus olhos, meio cansados no rosto bonito, um rosto, que é rosto grande e bonito, cansado, e os olhos deste rosto, todo olhos, confundi e percebo os átomos de mim, tomando outro rumo, diferente do dia, diferente e igual, fazendo parte de um toldo que é a mesma coisa, mas o importante é o detalhe,
Mas se você não olha para mim, como posso me sentir melhor com as coisas, com o tempo, como posso desejar que não chova, sem isso eu fico sem ter o que desejar, e prefiro ficar sendo eu mesmo, sem muito o que olhar, sem muito enfeite, pra mostrar qualquer coisa, fico assim, com os olhos cansados e sem muito brilho, sem sombra, lápis, ou qualquer coisa,
Mas são tão poucos os detalhes, e de que adianta, de que adianta os detalhes, de que?
Se você não olha para mim!
As entranhas doem como nunca, o sentimento é muito parecido com todos os outros, mas é tão intenso e real, que parece inédito.
Saudade inexplicável de um passado meio mal vivido, ou sei lá, uma busca insana desse meu presente pra que faça mais sentido no final, ou pra sentir ele na pele.
E por isso bebo e me lanço a mares de insanidade, pra ter o riso frouxo na ponta da língua, pronto para soltá-lo.
Chorei muito até agora, as lágrimas não vem mais com a mesma facilidade. Elas custam um pouco mais caro, e o sentimento parece mais intenso.
Uma saudade estranha de amigos estranhos.
Um pensamento sobre os rumos de cada um, e é estranho cada vez mais estranho.
É meio que aqui e em todos esses momentos que eu me sinto mais gente, e percebo que existo, e tento existir mais do que deveria, mais do que consigo.
Mas nada em mim transcende como eu gostaria, eu sou uma farsa para mim mesmo, uma mentira contada por um velho analfabeto e sem dente, uma mentira de praça, ou de boteco.

Afogado

Completamente reflexivo e introspectivo, eu me olhei, mergulhei até o fim do poço meio azul que foi meu interior, boiei lentamente de olhos abertos, fixo, sem reação e nu, livre das dores dos desejos, a vontade que tinha de ter no colo um outro colo igual ao meu, me apertar, pensando que por osmose a angústia se dissiparia, um complexo desejo inseguro e desajeitado de ser amado, em um vazio aquático, onde só estava eu, boiando nu ali, como afogado, mas vivo, como um afogado, mas ali, completamente ali.