Eu coloco água para ferver em uma chaleira vermelha antiga, no fogo azul de propano, o vapor mancha o vidro da casa gelada em um subúrbio aconchegante, enquanto isso uma velha acaricia seu gato cinza a ronronar, no seu apartamento na cidade, sua vizinha assiste ao último filme da noite, um homem de óculos tenta pegar um taxi qualquer, e o mendigo dorme em um beco com sua garrafa vazia.
A chaleira apita, o gato pula assustado e um carro passa com velocidade acima da média, levantando uma folha suja de jornal velho, enquanto isso, passam os comerciais da madrugada.
Os comerciais são rápidos, e quase não dá tempo de voltar da geladeira, o filme é repetido, mas é importante revê-lo, o homem de óculos lê a notícia antiga, “O fim do mundo se aproxima”.
O gato brinca com uma bola de lã sem saber disso, “o fim”, quem diria (penso eu com o chá pronto).
Uma correnteza de sangue invade a rua e o homem tenta não sujar seus sapatos italianos, o bêbado mendigo se incomoda com tanta umidade e se retira cambaleante e molhado.
O gato e o novelo tornam-se um só, e a velha tenta com ele fazer um suéter de gato, “ficaria muito bem em Clarinha” pensa a velha solitária.
Pena que Clarinha já não se apresenta mais no diminutivo, e mantém vida adulta no exterior á mais de vinte anos, a velha provavelmente se esqueceu disso, e vai se lembrar antes de achar suas agulhas de tricô, ou esquecerá tudo e voltará a afagar a barriga do novelo.
O fogo azul de propano tenta possuir mais do que deveria, e invade as cortinas da cozinha, piorando as cores do subúrbio, porém, o deixando mais quente do que antes.
A gorda já dorme na poltrona, e dessa vez ela não teve tempo para lamentar sua vida infeliz chorando, e se iludindo que o pranto é apenas por causa do filme, não que comedias românticas sejam emocionantes ao extremo, a ponto de abalar nossos dutos lacrimais, mas tudo se explica de acordo com ela, o fim de qualquer coisa é tão...triste, talvez.
As correntes de sangue já alcançam as barras também italianas da calça do latino de óculos, mas ele ainda empunha seu guarda chuva velho a esperar agora, um barco de preferência.
O novelo de gato expõe furos, e já esta seco, não sobrou sangue, e ele fede, e veja só onde estavam as agulhas, no pobre gato confundido novamente com um novelo, dessa vez foi fatal.
Vou ter de prepara o enterro, logo depois de eu achar um extintor ou um bote, o fogo já alcança quarteirões inteiros, e uma pá não será o suficiente para tantos defuntos.
Um comentário:
Simplesmente foda!
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