27 de maio de 2009

O resultado é a morte

O resultado é a morte
Ou
A culpa é sua
Ou
Um livro de mim
Ou
Couro preto
Ou
Confronto em branco e preto
Ou
Sabor branco de ser notado



Tenho muito a dizer sobre a minha vida, muitas reclamações, protestos, desabafos, tenho muita raiva para colocar nas linhas, com o máximo de sinceridade que conseguir, com a simplicidade abstrata e branca que a minha alma favelada e troncha se assemelha.
Eu acho que desisto, desisto da cor, das coisas e do cheiro das flores, tudo morre e desbota, não quero amar e dedicar meus préstimos ao que já está condenado ao fim, desisto de muita coisa e até desisto um pouco de mim.
Sabendo que a conclusão da desistência é um resumo de mim, resumindo-me, às vezes entendo.
Assim tudo é mais calmo, deixo de tentar entender a desordem que é minha cabeça, assim vivo indo, sempre indo, nunca parado, porque era assim que estava, bem parado ali pensando, pensando severamente, sisudo e fixo, e sério, e pensando em como devo pensar, como devo ser, a complexidade empoeirada de quem sou eu. Tudo bobagem me atrasando.
Ou eu acho a saída disto, ou disfarço razoavelmente bem.
É assim que começo a existir melhor, peguei minha mochila, nela tinha um guarda-chuva, um espelho, um pente, uma caneta, um caderno, um óculos e um lenço, escrevi uma carta:

“Cansei, cansei da vida fraca e irritante que levei até hoje, cansei das desilusões pequenas, que ocupou espaço grande demais em mim, cansei de sentir tanto quando uma vaca morre, de sentir tanto quando um filme complexo, diz mais sobre mim do que o próprio espelho, cansei de derramar duas contáveis lágrimas quando isso acontece, cansei de ser de difícil compreensão, cansei de ter tanta sensibilidade, e tão pouca demonstração, cansei dos amigos repetidos, e cansei de vocês, culpo vocês por muito de minhas insanidades, o resto culpo a igreja.
O resultado é definitivamente a morte, me matarei um pouco longe daqui, não sei por que prefiro assim, ou eu mato a alma, ou mato tudo, viver como pedra não gosto, a conclusão é a morte, não sei muito bem como vou fazer isso, mas não será aqui.

Não teimem em procurar meu corpo, me ofenderia muito ser enterrado.

Não sentirei saudade, e é sem lágrima alguma, que escrevo esse aviso.

Só.”

Eu assinei e guardei debaixo da dobra do edredom, o quarto estava muito limpo, sem vestígio de vida, todos os papéis, textos, e desenhos comprometedores, de conteúdo erótico, ou intimamente psicológico, ou de revelações surpreendentes, foi organizado em ordem de escândalo, como um diário, um livro, um livro de mim.
Ou aquilo era um resumo e uma boa explicação de mim, ou era resultado de minha insanidade.
Não carregava nenhum dinheiro, nenhuma comida, nenhuma folha em branco, o único caderno e a única caneta, me incomodavam, sua presença era um convite para tentar por último, decifrar minha alergia de viver, mas não mudei nada.
Oeste era o lado que mais me parecia distante, fui por ali, andei muito na noite, ainda pensava.
Acho que nunca tive real intenção de me matar, nada a ver com coragem ou competência, era tudo uma questão de fingir, fingindo minha própria morte, talvez eu ousasse acreditar, e se não fosse assim, continuaria parado, como naquele ônibus, quando me percebi pessoa, já era costume, eu parava completamente, e a vida ia sem me perguntar se devia.
Tinha um anúncio “precisa-se” na porta do sex shop, me encantei, e não hesitei nenhum pouco.
Me adaptei a roupa de couro sintético extremamente apertada e sem mangas, composta de : Bota, calça e colete, a maquiagem obrigatória era demorada, passava a base branca o pó branco, pintava de preto o olho, a boca e as unhas, deixava o cabelo normal, “que lindo é seu cabelo”, foi por causa de meu cabelo que o dono do sex shop me contratou.
Eu organizava os dvd’s pornôs nas estantes, era essa minha principal função, trabalhava das nove da noite até as cinco da manhã, via de tudo, mas nem tudo me via, eu ganhava quinhentos reais, e decidi que ia ficar ali para sempre.
Trabalhei bastante até poder arrumar a cozinha do apartamento que eu aluguei, o fogão e a geladeira eram velhos, assim como o armário e a mesa, pintei de branco, as doze portas, quatro gavetas e o guarda louça, de branco o fogão inteiro, a geladeira, a pia e a torneira, as paredes, o chão, a janela, a cortina, k o relógio, o calendário, a toalha, tudo branco, comprei pratos, potes, panelas brancas, facas de cabo branco, panos de prato branco, tudo, ou praticamente tudo era branco, até puxadores e botões.
Mas a alma não, era negra e suja como a noite, com o tempo o lápis preto do olho pareceu se fixar, e eu era então, assustador.
Eu comprava com o tempo, móveis simples e baratos, ou usados, ou achava no lixo, e pintava de branco, gastava talvez, mais dinheiro com tinta do que com móveis, pendurei vários quadros brancos, minhas roupas eram pretas, meia sapato, calça, cueca, tudo preto, e a casa era branca, e eu, branco por fora, preto por dentro, num jogo de xadrez sem movimento, sem mistura das peças, no tabuleiro quadriculado, todas paradas, olhando-se fixamente, confronto do preto e o branco, e nenhuma atitude.
Parei dentro de mim o que me fazia parar por fora, o resultado era parecido com a morte.
Eu trabalhava, e percebi que era olhado, achei que pediria alguma ajuda, quando menos espero ele vai embora, descubro depois pelos colegas, que ele sempre vem, me olha muito, chega às vezes muito perto, cheira meu perfume com pouca distância, e vai embora, não me assustei com nada, me senti diferente de tudo até então, me vi ali, branco de preto, sendo olhado muito, muito era a palavra significante, eu me sentia muito, me sentia dentro e fora, tato e brisa, muito.
Reparei nos outros dias ele vinha e me olhava também, muito, como sempre, não retribuí o olhar de início porque gostava muito de ser olhado assim, ou eu percebia que jamais conseguiria retribuir tanto olhar, cada instante meu peito se enchia de mim, e meus atos mudavam, sincronizava meus movimentos com o som do vento, ou do cabelo atrás da orelha, mexia a cabeça com calma e me sentia de porcelana, eu, branco e com cabelos lindos, limpos, me sentia delicado e frágil, e era muito diferente, completamente desigual como a tempos não me percebia.
Quando depois de um tempo, dias, resolvi olhá-lo, percebi que o resultado era fuga, ele sempre ia embora, sempre até perceber que eu sabia que estava sendo olhado, quando eu sabia e ele sabia que eu sabia, e desconfiava que eu gostava, parou de fugir, somente desviava o olhar, até ir embora.
Cada dia passava, e minha plenitude em ser admirado, não diminuía, e ele foi cada vez mais se aproximando.
No décimo oitavo dia, ele me disse seu nome, olhando nos meus olhos, eu o amei pela primeira vez, antes amava egocentricamente, a vaidade de ser visto, o amei no décimo oitavo dia.
Sua mão passava de leve sobre meu corpo nu, branco e quente, seu olhar me observava caloroso, meu hálito era doce, meu cabelo era limpo, nossos movimentos eram bem vagarosos. Seus beijos eram grandes e combinavam um com o outro em perfeita harmonia, eu apertava a coxa a nádega as costas, os braços me envolviam, me sentia pleno, e eu só sabia o nome, o primeiro nome, amei pela primeira vez alguém, e nunca me arrependi.
No fim, quando eu dormia, acordo com dor, ele me esfaqueava muitas vezes, me surpreendi por pouco tempo e morri, manchando de sangue vermelhíssimo os meus lençóis brancos, sobre o colchão branco, da cama branca, no quarto branco.
Minha visão misturou todos os brancos das coisas, o olhar ofegante dele, e o vermelho do sangue, tudo ficou escuro, e o preto era idêntico ao branco.

Teoria

Sinto aquela necessidade de pintar os panos de azul celeste...
De melhorar o mundo, e mudar as fotos, sinto aquela vontade única de ser único, o tempo todo, mas a vontade não passa de vontade, ela nunca deixará de ser isso, e eu sinto muito, muito mesmo!
É um sentimento dentro e seco, pesado, e opaco como gesso, pesado mais que gesso, mas nem tanto como concreto, pesado, sem sentido e som e fala, o gosto perde-se na boca, a sede é estranha, eu me perco, parece sono ou dor de cabeça, mas não é nunca, e é só uma estranheza de ser, ou de estar sendo, uma estranheza que vem quando tudo parece bem, e talvez esteja, talvez esteja tudo bem, mas nem sei se esta, sei que esta estranho e embaçado e eu sinto coisas e coisas se sentem em mim...
Mas ninguém me sente tanto assim, ninguém me percebe coisa, me percebe aquilo, ou outra coisa, que nem é eu mesmo, coisas estranhas estão acontecendo, e eu sinto uma perde de controle da situação, mas eu perdi-me em mim, e a situação não existe, e talvez tudo esteja normal, tudo comum, mas não me lembro como é estar tudo normal e comum, não me lembro como é sentir o cheiro das coisas comuns, e eu até já me esqueci muito de mim.
Quando me lembro de mim, me assusto muito, e as coisas parecem rodar, e rodam como se não houvesse nada para pará-las, e um giro continuo e barulhento, com som mecânico e físico de coisas girando fortes e bem equilibradas no giro, sem volta, girando sem fim, e então eu me esqueço muito do que estava me lembrando, esqueço completamente das coisas que tanto fico pensando, as teorias mudam, e o meu eu desequilibrado volta a ser considerado.

12 de maio de 2009

A quem pertença o fio

E eu acho que estou bastante sozinho em um mundo de tantas coisas, bem satisfeito eu diria, mas não digo,resta o bem sozinho, bem eu mesmo, sem nenhum principal, sem nenhum importante, sem alguém por quem eu daria a vida, e o amor, e meu corpo, além de mim, e de mim, e de mim, sem um mundo de pessoas a minha volta, a quem eu daria, a vida, o amor e o corpo, e o doce sabor do corpo, e de mim, sem você, só eu e eu e eu e eu, com o doce sabor.
Sem palavras novas, sem sinais e signos, só eu, só eu, só eu!
O diabo pega os novelos de vida que sobram de mim, e faz casacos imensos, e não tenho com quem dividir o frio cru, no calor de mim, bem dentro, quente, tépido, ou morno, ou vazio, mas dentro, e eu frio, por fora, só eu bem frio, e nada para ser comigo um só, um mundo de personalidades, um mundo de fotografias, sobra só eu de verdade, o eu estranho e confuso, o eu, o eu, o eu, e só eu. Nesse grande e comprido mundo de gente em volta de gente e mais gente que cuidaria um do outro, um do outro cuidariam, amariam, beijariam, agasalhariam, mas não cuidam, não amam, não cuidam, rodam tontos de casaco cru, e frio, sem um, sem outro, não amam, não cuidam.
O diabo coleta o fio de mim, o ultimo deles, e o que sobra é eu de mim, sem fio, sem leito, sem cama, e você não esta para me contornar, não esta para mim, não esta para nada, nem para ninguém. Só esta você aí, como se fosse importante planta verde e venenosa. E eu também não estou, nem para mim, estou menos dentro de mim, e um pouco fora do mundo, mas são fios de lã, novelo por novelo, coletado e amarrotado, na cova do diabo.
Depois de guardado na velha cesta de vime, na velha caixa de sapatos, sobra nada ou menos que isso, e permaneço sozinho, sozinho, sozinho, bem dentro de mim, de mim, de mim, junto com eu, com eu, com eu; sem fio sem nada.